Natureza pura

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Índios mais uma história REAL

O Índio e o ocidente
Reflexos de duas visões diferentes sobre o mundo

“O homem branco possui uma qualidade
que lhe fez abrir caminho: o irrespeito”
Henri Michaux
1. Preâmbulo
Ultimamente, devido a circunstâncias precisas que o desenvolvimento das análises históricas e sociológicas tornou compreensíveis, novos olhares têm sido lançados sobre as antigas nações índias e o denominado Oeste bravio. Tem existido mesmo uma clara vontade de compreensão por parte de sectores frequentemente muito afastados do que foram e do que representaram, no seu tempo e no seu espaço próprios, figuras no entanto tão divulgadas como Tecumseh, Sitting-Bull, Geronimo ou Quanah Parker. Multiplicam-se, nos Estados-Unidos mas também fora deles, os estudos e os ensaios sobre este e aquele aspecto da vida dos americanos autóctones, os tais que durante muito tempo foram estrangeiros no seu imenso país e que hoje, acantonados em reservas, ainda são objecto de marginalização por parte de especialistas em malabarismos sociais: se o ouro das Black Hills é hoje memória histórica e um pouco folclórica, não o são seguramente – por exemplo – determinados empreendimentos turísticos e residenciais no território Lakota, bem como a exploração petrolífera e mineira nas terras dos Navajos que sobraram.
Passam agora 340 anos sobre o envio, ao rei Afonso de Portugal, da “Carta sobre a condição dos índios do Brasil”, do padre António Vieira; trinta anos sobre a criação do “American Indian Mouvement”, entidade que contra ventos e marés tem procurado defender os índios norte-americanos da espoliação e da calúnia; e cinco anos sobre o pedido de perdão, em nome do ocidente cristão agressor, endereçado aos Índios pelo actual Papa.
Pela permanência no tempo, da primeira; pela constância e firmeza, da segunda; e pela sensatez (ou deveria dizer pela hipocrisia arrivista e melíflua?) da terceira – dedico a estas três entidades a minha intervenção, agradecendo desde já aos presentes o facto de terem vindo gastar um pouco do seu tempo nesta sessão. E, antes de continuar, gostaria de deixar-vos um momento – à guisa de honesta reflexão – com as breves palavras do chefe Lakota, dos oglalas, Luther Standing Bear, que nos diz numa tirada digna de Jean Giono: “As vastas e abertas planicies, as belas colinas e as águas que em meandros serpenteiam, não eram aos nossos olhos, “selvagens”. Só o homem branco via a natureza como selvagem e para ele a terra estava infestada de animais “selvagens” e de gentes “selvagens”. Para nós ela era mansa, caritativa e nós sentíamo-nos rodeados pelas bênçãos do Grande Mistério. Só se tornou para nós hostil com a chegada do homem peludo vindo do Leste, o qual nos oprime, bem como às nossas famílias que tanto amamos, com injustiças insanas e brutais. Foi quando os animais da floresta se puseram em fuga, à medida que ele se aproximava, que para nós começou o Oeste Selvagem”.
Finalmente e uma vez que a etnografia dos índios norte-americanos é hoje uma ciência puramente histórica, talvez faça sentido reter uma frase de Jean Jaurès que reza:” Do passado, apoderemo-nos do fogo e não das cinzas”.
2. Breve apresentação do índio norte-americano e seu espaço específico
Mais ou menos a partir de 1891, passado cerca de um ano sobre o massacre de Wounded Knee perpetrado pelo exército americano sobre os sioux oglalas liderados pelo chefe Big Foot, começou a falar-se em certos círculos de Leste sobre o “problema índio” remanescente. Alguns americanos mais sensíveis às condições em que as outrora poderosas nações índias eram obrigadas a viver, as contínuas tentativas de retirarem aos autóctones o resto dos territórios, transformados em reservas, que ainda estavam na sua posse sem contudo na prática serem por eles controlados, tinham despertado em alguns – escritores, publicistas ou simples particulares – uma espécie de remorso misturado com uma boa dose de má consciência. A seu ver, haveria um triste problema índio, que consistiria em factos existentes a partir da tentativa de genocídio e no claro etnocídio praticado contra a nação índia no seu todo. Esta denominação, nação índia, era sem dúvida reflexo – atravessado por um certo humor negro involuntário, a despeito das eventuais boas intenções – dos ecos que lhes chegavam, com meio século de atraso, da aliança formada pelos cherokees, choctaws, seminoles, creeks e chikasaws e que funcionou durante algum tempo, antes dos seus membros serem definitivamente enviados para lá do Mississipi, como uma “nação doméstica” no interior da outra.
Com diversas variantes, sulcado por diferentes contradições, este estado de espírito tem-se mantido até aos nossos dias.
Num lúcido ensaio publicado no início dos anos setenta, o escritor francês Claude Roy escreveu com a sua agudeza proverbial que, a seu ver, havia não um problema índio mas sim um problema branco, ou seja: um problema ocidental que através do tempo se comunicara às etnias das diferentes latitudes. E isto porque, como o sublinhou noutro texto o escritor de ascendência Lakota (Sioux) Vine Deloria, o que se passou com os índios norte-americanos revela na perfeição o deficiente sistema societário engendrado pelo homem ocidental, cuja mentalidade cúpida foi um facto infelizmente indesmentível, ainda que camuflado sob o pretexto da evangelização ou da vontade de civilizar.
Estas opiniões são, parece-me, equilibradas e defensáveis. Contudo, é evidente que existe na prática um problema índio, assim como houve um claro choque de mentalidades resolvido de forma expeditiva pelos que, chegados ao Novo Mundo, resolveram tomar conta de tudo como se os índios fizessem apenas parte da paisagem ou das chamadas riquezas naturais.
Choque de mentalidades, repare-se. Ou seja, choque conceptual – para além do choque físico que deu origem a conflitos sangrentos, depredações e, finalmente, claro genocídio.
Mas antes de abordarmos a maneira de viver e conceber o mundo do Índio, convirá termos uma ideia, ainda que algo sucinta e esquemática, sobre o universo em que este se movia, além dum leve voo sobre eventos históricos.
Será de considerar, desde logo, que os colonos que a partir de 1628 iniciaram de forma marcada a sistemática invasão dos territórios índios, a partir do posto avançado de Charlestown, eram membros de seitas religiosas, nomeadamente da dos puritanos, cuja existência nos seus países de origem, devido a perseguições e marginalizações, se tornara problemática. Desapossados dos seus haveres, chegados em petição de miséria,  o que muito confrangia os índios, transportavam consigo, contudo, um terrível vírus – hábitos, preconceitos e filosofias de vida e ainda uma vontade sistemática de reconstruírem nessa América desejada o que não tinham podido conservar na terra de origem. Em vez de aproveitarem a oportunidade que se lhes deparava de erguerem um outro modo de viver, sem constrangimentos (como muitos trappeurs franceses fizeram) reproduziram os hábitos e os tiques comunitários do Velho Mundo que tão mal os estimara e aonde os índios eram, naturalmente, corpos estranhos perfeitamente sem lugar a não ser que renunciassem ao seu tradicional tipo de vida para se converterem aos usos e costumes dos brancos, com sua soma de incongruências. Além do mais, como foi logo percebido desde que Colombo pôs pé em terra, não era possível serem domesticados e só muito poucos – e mesmo esses geralmente em desespero de causa – abraçavam a religião que lhes chegava da Europa desconhecida. Assim,  após terem-se dado conta da irredutibilidade índia, os colonos introduziram de pronto em 1619, em Jamestown, a escravatura negra. Quanto aos índios, que recusavam acerbamente os trabalhos forçados – e tivera-se, meridionalmente, um bom exemplo com os pueblos, a contas com os espanhóis – a resposta era-lhes dada na ponta das espingardas.


Uma das características com que deparamos ao contactarmos com a Nação Índia, é a diversidade e complexidade desse mundo, num acervo poderoso e multifacetado que chega a comover-nos dado que é mester apelar para a memória. Apesar de serem relativamente poucos se atentarmos na imensidade do território que ocupavam – segundo os estudos de ponta de Horst Hartmann, dois milhões e oitocentos mil no espaço que vai da região sonoriana até ao território subártico – os índios estavam divididos em cerca de seiscentas nações principais, subdivididas por sua vez em milhares de tribos. Hoje tem-se como certo que teriam atravessado o Estreito de Bering em diversas vagas constituídas por grupos de escassas centenas há cerca de vinte cinco mil anos, multiplicando-se depois por todo o continente. Especialistas há que os classificam por famílias linguísticas, nada menos que 21, além de 32 línguas isoladas que desafiam a classificação em qualquer daquelas 21; outros, devido a problemas que não caberá aqui invocar, mas que são efectivamente de considerar, preferem classificá-los por nações (algonquinos, mississipianos, cadoanos, ute-aztecas, etc.) ou por regiões específicas (pacífidas, centrálidas, sílvidas, márgidas…). Seja como for, assentemos em que, tal como é dito por Frank Schoell, “os índios que os colonos foram encontrar no século dezasseis e nos que se seguiram eram mais ou menos agricultores, mais ou menos caçadores, mais ou menos pescadores consoante os diversos imperativos do seu meio geográfico”. Podemos pois distribuí-los, de acordo com estes imperativos, por cinco zonas relativamente distintas: a zona do milho, da costa atlântica ao Mississipi e no sul entre o Mississipi e as Montanhas Rochosas; a zona do bisonte, norte e centro da região entre o Mississipi e as Montanhas Rochosas; a zona do caribu, norte do actual Minnesota, Dakota setentrional e actual Canadá; a zona das gramíneas, Califórnia, Nevada e parte oeste do Utah; e a zona do salmão, costas da Califórnia do norte, do Oregon, de Washington e do Alasca. Cada conjunto de nações, divididas em tribos, exprimia de maneira própria as concepções religiosas e mágicas – e de alguma maneira filosóficas – formadas a partir de tipos de vida específicos; no entanto, havia uma constante comum: o relacionamento muito profundo com a natureza, com as realidades e os fenómenos que os rodeavam e aos quais emprestavam frequentemente significados originais. Recordemos, a talhe de foice, a rica cosmogonia dos Denes e dos Delawares, entre muitas outras possíveis. O imaginário do índio, manifestado em conceitos e objectos artísticos que tocam o surreal, tinha muito a ver com aquilo que no ocidente, principalmente a partir de meados do século dezoito, se convencionou chamar poesia. Mas na segunda parte deste texto concretizaremos este ponto.
Há – e chamo a vossa atenção para este facto – dois períodos perfeitamente definidos na vida índia: o antes e o depois  da chegada do homem branco. Com a colonização, além de tribos inteiras terem sido exterminadas (chesapeaks, powhatans, tainos, mohicanos e outros, tantos outros) outras alteraram radicalmente o seu way of life: por exemplo, a introdução do cavalo – que estranhamente se extinguira no continente – efectuada pelos espanhóis, determinou a passagem da vida sedentária para o nomadismo e semi-nomadismo, com o consequente estabelecimento de novos territórios de caça e alianças precárias ou firmemente cimentadas, principalmente dos chamados índios da pradaria (Plains): lakotas(sioux) teton, oglalas e yanktonai, pawnees, cheyennes do norte e do sul, kiowas apache, comanches, arapahos, apaches do norte, etc.
Convirá referir, igualmente, que a implantação europeia se deu através de cinco nacionalidades: a implantação espanhola (primeiro na Florida, depois avançando para o norte até à Carolina, Mississipi, Oklahoma, Colorado, Novo México, Kansas; mais tarde, 1602-1603, até à costa da Califórnia); a implantação francesa (curso do rio S.Lourenço, depois até ao Canadá – Nova França); a implantação holandesa (Delaware, Hudson, Long Island e ilha de Manhattan); a implantação sueca (estuário do Delaware, Trenton e o cabo Henlopen); a implantação inglesa (Virgínia, Massachussets, Rhode Island, etc.).
Há sensível diferença na forma como foram tratados os índios das diversas zonas de influência, apesar de a partir da formação dos Estados-Unidos e da Constituição de 1787 a palavra de ordem fosse retirar das mãos dos índios, mediante todos os meios possíveis, a terra que habitavam, afastando-os paulatinamente para oeste – o que descambaria no tristemente célebre conceito do destino manifesto, expressão cunhada pelo jornalista mercenário Horace Greely com as consequências funestas que se adivinham. No espaço controlado pela França e durante o tempo em que os “flentchi”, nome pelo qual as tribos índias conheciam os franceses, foram o principal contacto com os autóctones na extensão territorial à época denominada Louisiana, vasta zona entre o Mississipi e as Montanhas Rochosas, para norte até ao Oregon e às regiões meridionais do Canadá – Alberta e Colúmbia – depois vendida por tuta e meia (15 milhões de dólares…) em 1803, pelo empenhado Napoleão aos EUA, houve um clima de boa vizinhança. Conforme escreve Herbert Wendt, “embora houvesse brigas e desentendimentos, o período francês foi, de modo geral, intermezzo romântico na história da colonização da América, no seu todo rude e sanguinário(…) Os caçadores franceses, desde o início, estabeleceram relações de amizade com os índios. E eis que descobriram, maravilhados, que os homens descritos nas crónicas espanholas e inglesas como sendo peles-vermelhas sanguinários, eram na realidade homens hospitaleiros, comerciantes honestos e amigos fiéis. Os franceses percorriam campos e florestas em companhia dos indígenas, sentavam-se com eles em torno das fogueiras e, muitas vezes, tornavam-se índios. Muitos caçadores franceses procuraram ser integrados como membros das tribos índias, dançavam as suas danças guerreiras, usavam os seus mocassins, pintavam o rosto à maneira índia e casavam com squaws. Os índios, por sua vez, como disse um dia um cacique chippewa, ‘com os franceses sentimo-nos como se fôssemos uma só família’. A capacidade de adaptação dos pioneiros franceses chegava, por exemplo, ao ponto do general Frontenac não ter dúvidas em dançar em torno dos totens e das fogueiras usando o uniforme de gala cheio de condecorações, o que muito encantava a assistência”.


Tal devia-se, manifestamente, ao facto de os franceses possuírem maior abertura filosófica e social, ao próprio carácter gaulês alegre e algo rabelaisiano – leiam-se as “Mémoires d’un trappeur” do pinturesco Jean de Raimond , dito o “Cauda-de-Lontra” e ficará feita a verificação – e, por outro lado, ao especial cuidado posto por estes no seu relacionamento com os autóctones, tendo em vista os seus conflitos com a Inglaterra. No entanto, isso não os impediu de atraiçoarem, faltando à palavra dada, os guerreiros hurons aquando do cerco de Detroit, o que determinou uma inflexão decisiva na sua guerra com os iroqueses. Os índios, aliás, não tinham papas na língua, quando se tratava de responder a quem tentava arteiramente evangelizá-los. Certo dia, eis como alguns hurons responderam a um missionário francês que procurava convertê-los:”Queres discutir connosco sobre a alma e, no entanto, nem sequer sabes como capturar um castor!”.
A dominação espanhola e inglesa assumiu foros de maior crueldade e violência não só porque os seus interesses eram mais agudos (num caso a febre do ouro, noutro a febre de estabelecerem enclaves) mas também porque a mentalidade índia diferia absolutamente do fanatismo castelhano e da frieza anglo-saxónica. Panfilo de Nervaez, depois seguido por Vasquez de Coronado, que no primeiro quartel do século dezasseis atravessaram a Carolina, o Arkansas e o Arizona, perseguiam e abatiam índios inofensivos que vinham contemplar a passagem das tropas, apenas para “hacer la gracia”, ou seja, para se adestrarem em jogos marciais. A dominação inglesa foi perita em explorar e estimular as rivalidades tribais, compelindo os seus circunstanciais  aliados a exterminar os rivais – o que teve pleno êxito na guerra anglo-francesa, na qual os iroqueses deram cabo de praticamente todos os hurons.
Já referímos que mohicanos mas também eries, pequots, miamis, mohawks, etc., foram dizimados através das armas convencionais e de epidemias, rapidamente disseminadas porquanto o sistema imunológico do índio não estava activado para lhes responder. E era o homem branco, com uma estranha caridade de cepa cristã, quem lhe fornecia mantas infectadas que – repare-se na requintada qualidade do cinismo – trocava frequentemente por boa quantidade de peles ou de belos produtos do solo.


Concretizando o que atrás disse: a diferença de métodos na colonização assenta no facto de que os espanhóis eram movidos pela caça ao ouro, efectuada em tons pomposos (note-se que tinham tido uma gratificante experiência com os incas e os aztecas) dado que a corte espanhola e os seus áulicos e apoiantes, imersos em complicados jogos de interesses internacionais, necessitavam desesperadamente do metal amarelo para a sua política  imediata e de curto prazo. Não podendo atingir o mítico El Dorado e as Sete Cidades de Cíbola, miragem fabulosa criada por um relato propagado pela imaginação desenfreada de um frade empreendedor e um pouco mitómano, frei Marcos de la Renta, que interpretara à sua maneira boatos que circulavam entre os aventureiros – e que haviam sido postos a correr pelos índios para lhes dispersarem a atenção e os confundirem – os espanhóis foram compelidos pelas condições hostis da região e das tribos, muito aguerridas (nas quais se destacavam os apaches) a acolher-se aos seus primeiros domínios; seriam mais tarde os mexicanos (mestiços descendentes dos invasores castelhanos) quem retomaria o afrontamento de pimas, yaquis, apaches e navajos (assim crismados devido às enormes navalhas de combate que utilizavam), isto numa primeira fase antes da anexação americana.
No que se refere à Inglaterra, interessava-lhe efectivamente o estabelecimento de feitorias, à guisa de testas-de-ponte donde partiriam para a conquista de outros territórios visando um estacionamento perene. A consequência inevitável era o extermínio ou a férrea sujeição dos autóctones, assim que se sentiam bem escorados nos postos que proliferavam.
Quanto à França, manteve sempre uma certa distanciação em relação à América – fosse na Nova França fosse, mais tarde, na Louisiana – imensidão territorial que o senhor de La Salle vistoriara. É bem conhecida a opinião de Voltaire, por exemplo, que considerava o Canadá uma espécie de frigorífico onde os concidadãos iam perder o seu tempo. A verdade é que, à França, interessava fundamentalmente a implantação de feitorias onde pudessem dedicar-se ao comércio das peles: quem dominava a colonização eram as “societés”, controladas por nobres negociantes astutos. Além disso, à coroa francesa – que na altura lançava olhares cobiçosos noutras direcções – não interessava imobilizar contingentes militares consideráveis a milhares de quilómetros de casa, policiando terras que a seu ver nenhuma falta lhe faziam. E foi este atraso mental dos monarcas gauleses que permitiu uma melhor respiração aos territórios sob o seu domínio. É também isso que explica – para além de casos decorrentes da estratégia político-militar – as cedências finais durante o violento confronto posterior com os britânicos para controle dos territórios de nordeste.
Em 1825, 1831, 1841 e 1848 iriam ocorrer certos acontecimentos-chave que definitivamente afastariam a possibilidade das nações índias do oeste próximo e, mais tarde, longínquo sobreviverem, tanto mais que os índios – com uma única excepção, como já se aludiu anteriormente – nunca haviam encarado a formação de um Estado, cuja concepção moderna lhes era aliás alheia e desconhecida (hoje é manifesto que os chefes das denominadas cinco nações civilizadas tinham uma concepção de nação inteiramente diferente dos ocidentais). E essa “organização” de tipo libertário, assinale-se,  foi uma das causas – senão a principal! – da fragilidade da Nação Índia frente aos hierarquizados, normalizados e metódicos invasores.
Esses acontecimentos foram: l. A abertura do canal Erie, que escancarou sem retorno as comunicações entre o Leste e o Middlewest, estimulando ainda o desenvolvimento comercial e industrial da região dos Grandes Lagos, ou seja Buffalo, Cleveland e Chicago; 2. A invenção, por Cyrus McCormick, da ceifeira-debulhadora, de que resultou que em poucos anos centenas de milhares de hectares, onde então pastavam milhões de bisontes, fossem transformados em campos cultivados; 3. A construção da Erie Railroad, que permitiu o desbloqueamento das passagens para Oeste; 4. Finalmente, a descoberta do ouro da Califórnia na herdade de Johannes Sutter, o que causou uma devastadora corrida às minas, com milhares de desenraizados e aventureiros a atravessarem as pradarias e as Montanhas Rochosas em caravanas ou em simples bandos, depredando a flora e a fauna – abatendo indiscriminadamente bisontes, que constituíam a base da alimentação dos Plains – com os consequentes levantamentos e as guerras índias  protagonizadas pelos arapahos, kiowas, cheyennes, crows, lakotas, shoshonis, flatheads, etc.; mas o ouro era então fundamental, tanto mais que em 1836 o secretário do Tesouro Richard B.Tanney, com a pronta anuência do Presidente Jackson, emitira a Circular das Espécies nos termos da qual, para a aquisição de terras, o governo só aceitava pagamento em ouro e não em notas de banco.
Era o princípio do fim – do fim sórdido, inútil, lamentável. Mas, neste relance em torno da História, fiquemo-nos por aqui.
3. O Índio norte-americano e o seu relacionamento com o Imaginário
“Se não maltratardes o povo vermelho, mas o tratardes com justiça, podereis ganhar a sua amizade; pois ele possui profundos conhecimentos do que é bom e do que é mau”
William Penn

Ao contrário do homem ocidental, que concebe o mundo como representação abstracta no plano filosófico e como entidade absolutamente dependente no plano metafísico, o índio relacionava-se com a existência pela analogia. O que, se possibilitava naturais erros de avaliação, como por exemplo em relação às verdadeiras intenções do homem branco, que buscava não a utilização das terras mas a sua posse, mesmo que tivesse de massacrar os seus detentores, garantia de igual modo, no mundo físico que habitava, uma integração harmoniosa e um genuíno gosto de viver que só foi alterado pela arrancada branca. O universo do índio, mais que um universo mágico era um universo poético. Ou, por outras palavras: o índio realizava no quotidiano a maneira de ser proposta, no quadro ocidental, pela Poesia e a vida que esta, a ser vivida, exemplificaria. Mais que animistas, os índios eram entes ancorados num quotidiano vitalista que a cada passo lhe fornecia exemplos e imagens construídas e nascidas da imaginação prática (ou deveria dizer praticada?), que é o que o poeta, no bisonho e entorpecido mundo ocidental dominado por classes, tenta plasmar nas suas construções imaginativas e verbais. (Há só uma excepção: a proposta pelos mestres alquimistas, que como perspicazmente assinalou André Breton, espiritualizavam a matéria e materializavam o espírito, escapando assim ao controle do “pensamento oficial”. Como mais uma vez Horst Hartmann referia, os índios não estabeleciam qualquer diferença de base entre sonhos e visões, por um lado, e realidade (a dita realidade palpável) por outro; e isto, é claro, não porque não soubessem distinguir entre uma e outros mas porque ambos tinham o mesmo valor indicativo. Devido a isso, duma forma que a canalhas ou imbecis pareceria ingénua, respeitavam o solo, os rios, os animais e mesmo os guerreiros com quem se defrontavam. Viam-nos como parte dum todo a que estavam ligados, eram protagonistas duma existência recheada de significado (nunca houve índio que bolsasse insanidades como, por hipótese, uma tal crise de identidade…). Nesta conformidade, a “religião” índia deve ver-se como aquilo que de facto era: prática efectiva de ligação a um universo onde as coisas aconteciam por razões porventura misteriosas mas repletas de sentido -  ao contrário da ocidental, que assenta na re-ligação; com efeito, não possuindo mitos de queda e de culpa, para que necessitaria o índio de se re-ligar ao que quer que fosse? – devido a uma dialética e a uma dinâmica que tinha a ver com uma existência não-precária e frequentemente atingida pelo senso da plenitude. Assim, é perfeitamente descabido , quando não pura impostura ou sonoro desajuste falar-se em deuses a propósito do índio norte-americano (norte-americano, sublinho) – ou, como o fizeram durante muitos anos os melífluos missionários que o ocidente lhes punha à disposição, amparados pelo cacete papal, manobra que caucionava a repressão. O índio cria num grande mistério, o que se poderia traduzir por a coisa sagrada em termos ocidentais e exprimia o sentido do sagrado, em termos poéticos, que eles sentiam existir em tudo e que a seu ver envolvia a existência e era, por seu turno, permeabilizado por ela, estabelecendo uma ponte directa e bem prática entre o mundo e o transmundo das coisas e dos seres – vistos, pensados e sonhados. Esse grande mistério ou grande medicina, encarnava se assim podemos dizer de nação para nação – como o wakanda dos Lakotas (yanktonais, santees, oglalas, tetons e yanktons) e Cheyennes ou o manitu dos povos do nordeste – em entidades diversas, palpitando de actividade no quotidiano da tribo e que atravessavam a realidade circundante. Os animais tutelares ou totens eram assim como uma estima do coração e não deuses benevolentes ou maléficos e muito menos presenças metafísicas que se intrometiam na sua vida, como sucede no ocidente, onde o poético, o espiritual e o físico estão inapelavelmente compartimentados da triste maneira que se sabe e se sente. O índio tinha um comportamento epicurista ou estóico conforme as circunstâncias da vida quotidiana: era grave mas não taciturno; alegre mas não descabelado. E isto porque não era perseguido pela descontinuidade característica da circunstância judaico-cristã, agravada pelos ritmos instaurados pela revolução industrial. Apesar da sensível e por vezes rude discriminação que sobre os índios de agora ainda incide, estimulada pela política económica das Companhias – o que pudemos constatar tanto na região plain (Dakotas e Nebraska) como no Canadá da tolerância e da polidez (grande península georgiana, ou seja na região huron-iroquesa dos lagos Huron e Ontário) -  as reservas índias, mau grado os problemas instilados pelos “white-eyes” são comparativamente locais onde pulsa a luz do espírito que só raramente se sente entre as populações urbanas da América not coloured. Pode dizer-se com ironia deliberadamente cruel que o cuspo que os colonos atiraram para o ar, nos tempos da sujeição dos índios, recai-lhes agora na face como um aguaceiro mefítico.

Não sendo um ser amedrontado, o índio nenhuma necessidade tinha de procurar aplacar espíritos bons ou perversos, como sucede noutras civilizações. Claro que se alegrava ou inquietava, mas a exemplo do que sucede no acto poético -  em que os terrores são terrores pela sua própria condição bem assim como os contentamento -  consoante os sinais que distinguia no decorrer da existência. Os mortos inquietavam-no porque ele sentia que o reino da morte era doutra quotideaneidade, mas podiam também alegrá-lo: não era invulgar um índio chegar ao lar e manifestar a sua alegria por ter, numa jornada de meditação (em geral apoiada em jejuns) sido contemplado com o aparecimento dum parente, dum animal doméstico muito estimado, etc.; note-se ainda como exemplo que entre os Plains eram ciclicamente efectuadas danças rituais para facilitar ou possibilitar a vinda das manadas de bisontes e não para comunicar a um determinado deus (animal ou de tipo humanóide…) que já era tempo de se pôr ao trabalho e encaminhar os rebanhos para junto dos territórios de caça (sempre bem estabelecidos por consenso milenar). O totem possuía portanto um valor de ligação e não de adoração. O índio não possuía ritmos de adoração, encarando esta palavra como bajulação a uma entidade supostamente superior ou desencarnada. No que respeita aos denominados homens-medicina (e não feiticeiros, designação que apenas faz parte do vocabulário branco veiculado pelas fitas de Hollywood) que noutras comunidades tomam em geral a designação de sacerdotes ou orientadores espirituais conforme a latitude ou a civilização, eram curandeiros um pouco à maneira dos homens-de-virtude da região ibérica, ou aconselhadores qualificados que, em certas ocasiões determinadas por condições muito próprias, tomavam o cargo (espontâneo e circunstancial e sempre amovível)  de chefes específicos que emergiam do quotidiano da tribo e não se empenhavam em ter mais ou menos influência, o que seria impensável pela lógica da organização do tecido social. Para aclarar melhor a questão: o justamente famoso – pela ponderação e a coragem – Sitting Bull, era homem-medicina e a consideração de que gozava no seio da tribo era tanta que assumiu o cargo de sachem (chefe geral) dos lakotas, que tinham como chefe-de-guerra o não menos célebre Cavalo Louco, que era evidentemente tudo menos louco – o nome vinha-lhe de ter capturado bravamente um garanhão enfurecido em condições peculiares. Os nomes, entre os índios, eram não só um indicativo mas também um qualificativo. Fazendo um pouco de humor, digamos que se calhar o nosso “bochechas”(Mário Soares), se índio fosse, teria talvez o nome de Urso Aldrabão ou, quiçá, Castor Vaidoso ou Arganaz Sedutor… Mas passemos adiante!


Os homens-medicina, fossem chefes ou não, acompanhavam o dia-a-dia, orientavam as festas e os rituais (de colheita, de caça, de mudança de estação ou de localização da tribo) eram de certa forma o garante dos grandes ritmos que presidiam à relação entre o conhecido e o desconhecido. Por vezes funcionavam como diplomatas inter-tribos e, nalgumas que em ocasiões sacrais utilizavam alucinogénios (como entre os pimas e os yaquis) interpretavam as visões daí decorrentes. Note-se que os índios usavam de preferência jejuns e períodos de isolamento em lugares específicos: montanhas, bosques e recantos junto a rios, no caso dos índios do sudoeste orlas de desertos (jamais se adentravam pelo deserto, como fizeram no último período da romanidade as comunidades de cenobitas cristãos do norte de África), onde buscavam ser contemplados com revelações em ordem a compreenderem o mundo e o seu Eu profundo.
Quanto aos chefes, que como já se aflorou podiam ser chefes-de-guerra ou civis, estavam rigorosamente dependentes dos conselhos tribais e, se eram sempre acatados e respeitados, uma vez que emergiam naturalmente da comunidade, funcionavam mais como consciência da nação do que como líderes cuja palavra não era passível de discussão. Só numa circunstância tinham de ser rigorosamente seguidos: quando em estado de batalha – e os próprios conflitos, como a palavra batalha deixa perceber, eram de âmbito limitado, sendo fundamentalmente sustentados por grupos. Mesmo quando uma nação era tradicionalmente inimiga de outra, como os sioux e os pawnees por exemplo, não se buscava a extinção do adversário e o feito guerreiro tinha fundamentalmente a ver com a qualidade e não com a quantidade. Lutava-se pela honra, pela coragem, pela vingança de injúrias ou pelo abuso da entrada em territórios de caça ou utilização. A posse destes últimos estava dependente do uso que lhes era dado pelo colectivo e, portanto, não era encarada como exaustiva e total. Nunca passaria pela cabeça de um índio dizer este sítio é meu, pois entendia-se que apenas aprouvera ao grande mistério possibilitar que a tribo dispusesse dele a seu efectivo bel-prazer. Em geral, os índios norte-americanos eram anarco-comunistas, ou melhor: socialistas libertários, o que os distinguia das monarquias totalitárias ou de claro enfoque do que depois se chamaria nazismo (por exemplo os aztecas) das nações da América central.

Grande parte da civilização ocidental assenta num intrincado jogo de efusão/recalcamento (para usar a terminologia freudiana) que estimula o desejo de acumulação. Ao frustrar pulsões legítimas, o sistema relacional ocidental e cristão (a este respeito sugerimos a leitura de “A neurose cristã” de Pierre Solignac) distorce o pensamento e dá origem à necessidade de posse dos bens, que tudo arrasta na sua frente (o que é caracterizado pelo axioma “uso e abuso” que define o conceito de propriedade). A mística recorrente é, em geral, apenas uma fórmula – e, em rigor, hipócrita e falsa – para tentar impedir que as consequências vão demasiado longe ou, então, para camuflar o que sub jaz aos manejos dos sectores dirigentes e possidentes. Nunca passou pela cabeça do índio, antes da dura realidade o esclarecer, que o branco quisesse para exclusivo uso seu e para fins que ao índio pareciam providos da banal loucura – isto é textual, é um raciocínio dum líder chikasaw, Braço-de-pedra – o vasto território que lhe parecia sem fim e onde as nações índias viviam harmoniosamente devido à arquitectura forjada pelos milénios. Estabilizada por anos e anos de sucessivo aperfeiçoamento que a vastidão e a riqueza do continente permitia, a vida do índio estava recheada de sentido. A vida era por vezes dura, mas sempre se revelava gratificante. Interiormente, o índio interrogava-se mas não se enrolava sobre si mesmo e, se muitas vezes se angustiava, como ser humano que era, as ricas relações no interior da comunidade encarregavam-se de aplacar ou dissolver essa palpitação negativa. Nas tribos do nordeste e da costa atlântica, que foram as que primeiro sofreram a brutalidade do invasor, o choque entre a sua mentalidade libertária e a obstinação primária dos colonos foi o sinal claro do que a seguir iria suceder, uma vez que a terra não era para o índio um corpo político e sim um lugar onde residia com as árvores, os animais, as montanhas, a chuva e o deserto, em suma: tudo aquilo que constituía o mundo de realidade e de sonho onde não fora instaurado o complexo de culpa que constitui uma das bases fundamentais do pensamento religioso ocidental e, inevitavelmente, o seu cerne filosófico. Para o índio norte-americano a morte não era, como para o cidadão europeu, uma essência e sim uma cessação. Nunca uma imanência, antes uma consequência bem reconhecível – uma facada, um tiro, uma doença ou a muita idade. Arguto, encarava por isso a protérvia judaico-cristã como uma história absurda ou uma impostura. E por isso mesmo o seu mundo conceptual, extremamente perigoso para o que lhe chegava abruptamente, tinha de ser destruído pelo homem branco.

Assim sendo, é fácil tirar a conclusão maior destas linhas e a única para que chamo vivamente a vossa atenção: sempre que uma civilização baseada na tradição secular livremente engendrada se confronta com outra baseada na evolução acelerada e na acumulação, a primeira desaparece ou é gravemente transformada pela segunda.
Significa isto que, ao cabo,  a sorte da Nação Índia estava traçada no momento em que Colombo pôs o pé nas praias do Novo Mundo. O índio, que vivia no neolítico mas que apesar de tudo mostrou uma espantosa capacidade de adaptação interior – e mesmo exterior, convenhamos -  a ritmos que lhe eram totalmente alheios, conceptualmente estava mergulhado no chamado estado segundo ou seja, o mundo mental em que realidade e sonho se interpenetram, estado esse que é profundamente odiado pelos próceres da civilização ocidental, que apenas respeitam ou a Razão ou o instinto de posse camuflado de necessidade espiritual (vulgo religião, que é apenas e tão-só, se nos despirmos de preconceitos ou receios, um polo agregador de interesses psico-sociais). É esse estado segundo que explica a curiosidade que os autóctones americanos sentiram pelo álcool, o que foi de imediato explorado pelos colonizadores. Como o álcool lhes permitia/facultava atingir um estado de euforia – que, diga-se, excelsos poetas gregos e árabes epigrafaram com volúpia (será necessário nomear o justamente célebre “Rubayat” de Omar Khayam?) – que eles pensavam ser um ritmo dos brancos, deixaram-se defraudar pelos colonizadores, que estimulavam cinicamente o alcoolismo. Chegou-se a um ponto tal que em certas tribos do Middlewest e do Oeste houve a necessidade de os conselhos tribais interditarem rigorosamente o seu consumo, chegando-se a estabelecer (e é um dos poucos casos em que tal ordálio se aplicava) a pena de morte, punição raríssima entre os índios visto que em geral era substituída por obrigações de doação. Entre os Plains, o álcool era mesmo considerado como mais uma arma de guerra por parte dos brancos.
A nação índia, no seu todo, desapareceu para sempre. Nobre e orgulhoso gavião planando sobre montanhas e florestas, viu o seu voo destroçado pela gente que a princípio auxiliara. Espoliada, caluniada, utilizada em divertimentos de pacotilha – mas também respeitada, compreendida e amada por ocidentais que sabem ser índios na selva urbana – é hoje não mais que recordação, uma vez que se desfizeram as raízes que a sustentavam: o território onde se estabelecera o equilíbrio harmonioso entre a natureza e o homem.
Hoje em dia, habitantes que somos de universos alternativos e, ultimamente, até interactivos, resta-nos somente uma certa nostalgia – mas igualmente, afinal, a arma de sabermos que é possível viver-se, mais que não seja por dentro, de maneira menos precária do que a vida (?) que foi criada, consentida e consolidada pelos europeus filhos do Método e da Mística da navegação entre Cila e Caríbdis ou, o que ainda é pior, das correrias entre Zeus e Mamón…
Bibliografia de apoio
História dos Estados-Unidos -  Frank L. Schoell
Enterrem o meu coração na curva do rio – Dee Brown
Introdução à poesia – Johannes Pfeiffer
Tudo começou em Babel (edição brasileira) – Herbert Wendt
História da morte no ocidente – Philippe Ariès
Os índios da América do norte – Horst Hartmann
O primeiro americano – C.W. Ceram
Os nativos americanos – D.Thomas, Jay Miller, etc.
Undaunted courage (não publicado em Portugal) – Stephen E. Ambrose
Art et Alchimie (não publicado em Portugal) – Justin von Lennep
A queda de Custer – David Humphrey Jennings
La lampe dans l’horloge (não publicado em Portugal) – André Breton
Custer died for your sins (não publicado em Portugal) – Vine Deloria
The west (não publicado em Portugal) – Geoffrey Ward
Os deuses do homem pré-histórico – Johannes Maringer
Os deuses antigos – E. O. James
American indians miths and legends (não publicado em Portugal) – Richard Erdoes e
Alfonso Ortiz
As origens do cristianismo – J.G.Davis
Eros e religião (edição brasileira) – Walter Schubart
Revistas avulsas: Anthropos (EUA) e Sphinx (Inglaterra).
ANEXO
Obras cinematográficas
Além do filme de Kevin Costner “Dança com lobos”, que para muitos representou o primeiro contacto com o índio enquanto ser humano enraizado, diversas películas têm apresentado o ambiente índio, antigo ou moderno, com suficiente credibilidade ou mesmo de forma superior. Independentemente do seu perfil artístico, que é evidentemente variável, considera-se que as seguintes são obras de base. E felizmente quase todas se encontram disponíveis em vídeo.
Nota – O sinal (.) indica obras referentes à época actual.
Asas de águia – realizado por Anthony Harvey
O grande combate – John Ford
O último guerreiro – Harry Hook (.)
O homem chamado cavalo – Eliot Silverstein
O clã dos guerreiros – Franc Roddam (.)
Desforra apache – Michael Winner
O pequeno grande homem – Arthur Penn
O soldado azul – Ralph Nelson
A fuga de Ulzana – Robert Aldrich
Chuka – Gordon Douglas
O vento negro – Errol Morris (.)
O vale do fugitivo – Abraham Polonsky (.)
Mohawk – Kurt Neuman
A flecha quebrada – Delmer Davis
Grayeagle – Charles Pierce
O rio das penas – Gordon Douglas
A última caçada – Richard Brooks
Coração de trovão – Michael Apted (.)
Terra bruta – John Ford
O último bravo – Donald Shebib (.)
Comanche station – Budd Boeticher
O guerreiro do vento – Keith Merril
Tecumseh – Larry Elikan
Espírito guerreiro – René Manzor (.)
O mundo não perdoa – John Huston
A flecha sagrada – Samuel Fuller
A pena branca – Robert Webb
O último apache – Robert Aldrich
Geronimo – Walter Hill
Estrada da fortuna – Ken Friedman (,)
A desaparecida – John Ford
Quinhentas nações (documentário em 8 jornadas) – Kevin Costner
Contos, novelas e ensaios
Memórias de Ponta-de-ferro – relato estabelecido por William Camus
Viagem para as trevas – John Upton Terrel
Enterrem o meu coração na curva do rio – Dee Brown (chefe Olho Sagaz)
O sol Hopi – Dan C.Talayesva ( chefe Águia Branca)
A viagem de don Álvaro Cabeza de Vaca – trad. do espanhol antigo por Fanny                                          Bandelier
As minhas aventuras no país dos Zuñi – Frank Hamilton Cushing
Contos – Dorothy M. Johson
Na pista do Oregon – Francis Parkman
Apache – W. Livingston Confort
I’shi em dois mundos – Theodora Kroeber
Os caçadores do Arkansas – Gustave Aimard
Onde os mortos dançam – Tony Hillerman
A pradaria – James Fenimore Cooper
A minha história – Geronimo, texto estabelecido por Frederic Turner
Ainda há índios? – Claude Roy, Roger Renaud, Edouard Bailby, etc.
Antigas Américas – Michael Coe, Dean Snow e Elisabeth Benson
O livro da herança americana dos índios – William Brandon
Sugere-se, ainda, a leitura das obras de Zebulon Montgomery Pike, John Charles Fremont, Benjamin Bonneville e Edewin Thompson Denig (nenhuma delas publicadas em português). De muito interesse, igualmente, é a obra gráfica de Karl Bodmer e, de Georges Catlin, o álbum “Hábitos, costumes e condição dos índios norte-americanos”, que arrola cerca de quatrocentos desenhos e pinturas a cores (em França ed. pela Denoel). As obras “Contos de Inverno”, anais das tribos Lakotas e Kiowas e a “Walam Olum”, crónica tribal dos Delawares, são também excelentes, posto que difíceis de encontrar no mercado fora dos EUA ou Canadá. É boa leitura, ainda, a “Relação da primeira viagem e descobertas dos Espanhóis na América”, de frei Bartolomeu de las Casas, bem como o relatório diplomático da expedição de Lewis e Clark.
                                                                Fonte:
NS

Apaches II

Os Apaches são os índios mais conhecidos da América do Norte por serem um povo aguerrido e muito exposto no cinema. Eles se auto definem como Ti-neh (O Povo).
Habitavam uma área enorme no lado oriental do Novo México, que também invadia o Texas e o México. Este povo orgulhoso e guerreiro se dividia em muitos grupos, sendo mais conhecidos os jicarillas, os mescaleiros e os chiricahuas, mas haviam os kiowa, white mountain, os tontos, etc. Os primeiros intrusos do território Apache foram os espanhóis, a partir de 1.500. 
Apache é uma palavra que significa inimigo e como os Navajos pertencem ao grupo lingüístico Athapaska, e também são da área cultural Sudoeste. Mas as coincidências param por aí.
Haviam diferenças entre os vários grupos de Apaches, principalmente no modo de vestir e nos acessórios que utilizavam. Haviam os grupos mais dedicados ao pastoreio e caçadores de bisontes, animal que garantiu a sobrevivência durante séculos, e outros voltados para os saques em fazendas e povoados, como os Mescaleiros, que viviam nas montanhas.
Na cultura tradicional, as mulheres cuidavam do alimento, da madeira e da água, enquanto os homens tinham que caçar e guerrear. A poligamia era praticada quando as condições econômicas permitiam. A religião era fundamental na vida Apache e pediam a proteção dos espíritos das montanhas. Usan era o seu Deus. Os feiticeiros eram muito respeitados nas tribos e detinham muitos poderes, freqüentemente influenciando os chefes nos Conselhos tribais, em que tomavam suas decisões mais importantes.
Por serem grandes guerreiros e precisassem se locomover com grande freqüência, suas tendas era feitas de lã e gravetos, para montar e desmontar de forma rápida. Assim podiam sumir sem deixar vestígios em pouco tempo, quando se viam ameaçados.
Viviam numa região hostil, de escassos recursos naturais e por isso se especializaram em saquear as fazendas e povoados dos colonizadores brancos e via de regra roubavam também as outras tribos, sumindo rapidamente nas serras da região, onde construíam inacessíveis esconderijos. Durante muitos anos o Exército sofreu na tentativa de subjugar os Apaches, mas parecia impossível combate-los.
Além do conhecimento do terreno, os Apaches contavam com a resistência animal conseguida em anos de vida dura e treinamento. Sabe-se que os índios passavam por treinamentos muito rigorosos, alguns incríveis, como o aplicado aos jovens, que corriam dez milhas com a boca cheia de água e não podiam beber um gole sequer. Eram atiradores admiráveis com o arco e flecha ou lançando suas machadinhas e cavaleiros invencíveis, capazes de cavalgar durante vários dias, sem parar para dormir. Se o cavalo morria, eles continuavam sua marcha a pé. Também eram admiráveis no combate corporal, quando usavam de muita astúcia e força. E por fim, eram guerreiros barulhentos, que arrepiavam os inimigos com seus gritos de guerra e rostos ferozes pintados para o combate.
Como em todo lugar da Terra, os lideres eram escolhidos entre as famílias mais importantes, mas qualquer um podia chegar a chefe, se tivesse carisma e autoridade, principalmente se adquiridos em combate. Adotavam, quando possível, o tipo democrático e geralmente assumia o comando o guerreiro mais próximo ao que deixava o posto.
Os Apaches são estimados em cerca de 18 mil pessoas e já foram bem menos na década de 30, quando não passavam de 8 mil. Hoje são civilizados e convivem em paz com os brancos, que aprenderam a respeita-los.
Mas se os Apaches eram estes guerreiros formidáveis e invencíveis, como perderam a Guerra com os brancos? Ora, os brancos não paravam de chegar na região e tramavam sem trégua para expulsa-los. Com o tempo, corromperam muitos índios e espalharam doenças nas tribos. Nestas condições adversas, um lado diminuía e outro aumentava. Porém, não foi fácil para os brancos, pois alguns Apaches se destacaram e deram muito trabalho.
Mangas Coloradas
Um dos grandes ícones Apache foi o Chefe Mangas Coloradas, apelido recebido graças ao roubo de uma camisa vermelha. Em 1837, ele era o guerreiro mais conhecido no Novo México, que ainda pertencia ao México e em Sonora, estado vizinho ao sul, pagavam-se 100 dólares por um escalpo Apache, tamanha o ódio e o temor desses índios. Foi quando usaram um embuste e deram uma festa em Santa Rita, tendo como convidados os Apaches do Chefe Juan José. Os índios atenderam ao apelo e quando estavam cheios de whisky e tequila, entrou em ação um canhão, que abriu fogo contra os Apaches, que foram massacrados em 100, inclusive o chefe. E coube a Mangas vingar os irmãos. Num assédio a Santa Rita, onde ninguém saía com vida. Mas os índios se afastaram antes de tomar o povoado. Então cerca de 400 habitantes decidiram deixar a região e por vários dias não viram sinal dos Apaches, mas foram atacados num desfiladeiro e mortos. Apenas 5 escaparam e conta-se que foi para noticiarem o massacre aos brancos.
Mangas foi aprisionado em 1863, durante a guerrilha com os Estados Unidos e morto sob tortura por soldados bêbados, como conta a versão oficial do Exército, mas fala-se a boca curta que o fizeram pagar pelas suas torturas escabrosas.
Cochise
Este grande líder Apache, da tribo dos Chiricahuas, promoveu a paz com os brancos durante muito tempo. Mas em 1858, construíram uma estação de diligência perto de Passo Apache, a região foi habitada e certo dia noticiaram em Forte Buchanan o rapto de um rapaz. Mandaram 50 soldados prender Cochise, que os recebeu em paz, mas ao perceber suas intenções, conseguiu escapar. Teve inicio mais um período turbulento na história Apache. Cochise ordenou que matassem qualquer branco que ultrapassassem o Passo e construiu uma fortaleza nos Montes Dragon. Até maio de 1862, ninguém conseguiu dar cabo dos Apaches, que estavam fortes com a aliança de Cochise e Mangas Coloradas, somando quase mil guerreiros. Porém, o General Carleton levou dois canhões, arma desconhecida pelos Apaches, e conseguiu uma vitória sobre eles, construindo em seguida o Forte Bowie, para assegurar a posição, bem na fronteira do território Apache. Mas continuava a corrida dos mercadores e especuladores para dominar o território e expulsar os índios, causando todos os tipos de conflitos. Em 1870, Cochise deu permissão para a passagem de diligências no território Apache, após entendimentos com um branco corajoso, de nome Tom Jeffords, que foi negociar com o chefe Apache, sozinho. Cochise, após a pressão contínua e muitas promessas do governo, aceitou também ir para a reserva de Sulphur Springs, um maldito lugar inóspito, que adoentou muitos guerreiros, inclusive o grande Chefe, que faleceu em 1.874. Em seu lugar assumiu o filho, Tazay, que continuou os passos do pai, procurando a paz, mas respondendo às afrontas.

Victorio e Nana
Victorio pertencia à tribo dos Mimbreños e foi um braço forte de Mangas Coloradas. Quando o seu povo foi confinado na reserva de San Carlos, no Arizona, lugar de planaltos e desertos, ele resolveu fugir. Dali reuniu um grupo de mescaleros e iniciou uma luta insana contra os brancos, causando mortes e destruição em suas incursões relâmpago na região de fronteira com o México. Foi caçado pelos casacas-azuis durante anos. Cansado de persegui-los em vão, americanos e mexicanos entraram num acordo para destruir de vez o seu bando. Então Victorio perdeu muitos guerreiros num confronto com o 10º. de Cavalaria em Rattlesnake Springs e fugiu para o México, mas era esperado e os Apaches foram pegos de surpresa e massacrados. Somente alguns guerreiros conseguiram escapar.
Entre os fugitivos, estava Nana, o feiticeiro, que fugiu para a Serra Madre e depois foi para o Arizona, onde formou um grupo, disposto a vingar os irmãos mortos em combate. Nana tinha muitos recursos, pois usou boa parte do produto dos saques realizados por Victorio. O novo chefe tinha 80 anos, muitos truques e audácia pura. Atacou colonos, saqueando e matando; atacou comboios militares, para se abastecer de armas e munições; e sempre sumia nos desfiladeiros, deixando os soldados para trás. Usava de toda a resistência e astúcia dos seus guerreiros, sempre fazendo o dobro do que conseguia um soldado e por isso foi considerado um grande vencedor, pois nunca foi capturado e morreu de velhice. 
Gerônimo

O mais famoso guerreiro Apache começou a odiar de verdade o homem branco no dia em que retornou para casa e encontrou tudo destruído, a sua família assassinada. Os autores eram mexicanos. Então sua vida resumiu-se a uma palavra, um sentido: Vingança!
Este índio rebelde foi um constante problema para o governo americano, que gastou milhões ao mobilizar mais de 10 mil soldados em sua captura. Ele erguia o lenço branco da paz quando estava em maus lençóis e uma vez capturado, fugia em seguida. Aprendeu com os brancos o seu modo de lutar e utilizou as armas que contra ele usavam, inclusive dinamite. Tocava fogo no mato, envenenava os poços, apagava as pegadas, atacava à noite, isso sem contar os assédios circulares e as flechas incendiárias, alem das torturas Apaches.
Venceu o General Crook, um matador de índios, e seu nome difundiu-se pelo Oeste, atraindo novos guerreiros, desejosos de combater ao seu lado. O Governo Americano não agüentava mais a pressão da opinião pública, eficientemente excitada pelos diretamente prejudicados pela tensão regional do poderio indígena e patrocinou mais uma campanha contra os Apaches, liderada pelo General Miles, que grande estrategista e mostrando grande poder de fogo, conseguiu vencer o ceticismo de Gerônimo e o convenceu a se render em 1886, sendo confinado em Forte Sill, onde morreu em 1909.
Tal qual os habitantes nativos de todo o mundo, os Apaches sucumbiram à ganância e pressão dos colonizadores. Cochise foi o último a parar o combate e assinar um tratado definitivo com o governo americano. Entretanto, a coragem e ousadia dos Apaches em defender o seu território diante de um invasor mais numeroso e poderoso rendeu-lhes uma grande exposição no cinema. Os diretores cinematográficos vislumbraram o potencial e exploraram ao máximo a imagem desse povo, quase sempre mostrando o lado sanguinário e feroz dos índios.
Durante anos, vimos nos cinemas os filmes de faroeste onde os Apaches, seguidos de Sioux e Comanches, eram os grandes vilões, e sempre eram vencidos pelos casacas-azuis. Mais tarde surgiram alguns filmes explorando o lado bom dos índios, mas o estrago já estava feito. Passado um século desde a colonização do oeste americano, já se vê os índios com outros olhos e felizmente vemos que nem todos eram maus e apenas defendiam sua terra, tradições e sobrevivência com unhas, dentes, arco e flechas.

O dia levantou-se por entre uma chuva suave.
O lugar chamado “onde fica a água do relâmpago”,
O lugar chamado “ali onde surge a alba”,
Quatro lugares denominados “a alba da vida”,
Ali é onde toco a terra.
Os filhos do céu, vou por entre eles.
Chegou até mim com uma longa vida.
Quando fala por cima do meu corpo com a mais longa vida,
A voz do trovão falou quatro vezes
Falou-me quatro vezes com vida.
O santo jovem celeste falou-me quatro vezes.
Quando me falou, chegou o meu alento.
(Apache)
Créditos:
Revistas TEX e Enciclopédia Encarta, informações compiladas pelo colaborador G.G.Carsan






"TOMAHAWKS"




"TOMAHAWKS":
História e Tipos

Origem e variações do mais famoso tipo de machado
_____________________________________________________Laércio Gazinhato
A palavra "tomahawk" é uma derivação da fonética "tamahakan" no idioma das tribos índias Algonquin e Iroquois que habitavam o Leste da América do Norte. Originalmente, essa fonética aplicava-se a toda uma classe de armas para golpear, compreendendo as maças de guerra feitas de madeiras duras e pedras ("war clubs") e os primitivos machados deste último material.
Assim, por analogia, essas e outras tribos dos EUA passaram a chamar de "tamahak" os primeiros machados de
metal recebidos de comerciantes europeus (principalmente os franceses) que se dedicavam ao comércio de peles nas fronteiras norte-americanas ainda por volta de 1630. Estes, como eram tecnicamente muito superiores aos de pedra, rapidamente tornaram-se itens disputadissimos entre as populações indígenas daquele país.
Tudo leva a crer que as primeiras tentativas de fornecimento de machadinhos de metal aos índios norte-americanos foi através de simples cópias européias dos modelos em pedra, isto certamente tendo sido rapidamente abandonado, haja vista a raridade atual de alguns poucos exemplares assim constituidos que chegaram aos nossos dias. Os próprios indígenas devem ter concluido que os modelos dos colonizadores brancos eram bem superiores.


......................................................................................... .......Machado de guerra sioux com "cabeça" de pedra
Segundo alguns historiadores norte-americanos, o têrmo "tomahawk" também já era amplamente utilizado por volta de 1720..pelos colonizadores da Virginia para definir um machado de pequenas dimensões, independente de seu uso se fazer por índios ou por brancos e na época da Guerra da Independência dos EUA (1776) integrantes de milícias das 13 colônias revolucionárias portavam regularmente "tomahawks", bem como também o faziam alguns batalhões do exército britânico do período..
Por volta de 1810, ao se iniciar o efetivo desbravamento e colonização do Oeste Selvagem por norte-americanos e a intensificação do comércio das peles de castor por homens das montanhas, os "tomahawks" foram uma importante moeda de troca nas relações comerciais com os índios.


Primitiva "cabeça" de "tomahawk" em ferro. Este teria sido o primeiro tipo produzido pelos europeus e destinado especificamente aos índios norte-americanos. Note que NÃO apresenta olhal, devendo ser apenas encaixada no cabo, no mesmo sistema dos de pedra, e depois presa com cola de ossos de bufalo e amarrada com tendões. Uma "cabeça" de machado de pedra Pawnee é mostrada ao lado, para compreensão do sistema de fixação do cabo.



USOS E TIPOS
Enquanto para os pioneiros e exploradores norte-americanos o "tomahawk" de metal foi apenas mais uma ferramenta, entre os índios daquele país, além de objeto utilitário e arma que era, transformou-se também num instrumento de bravura e liderança (especialmente com a introdução do "pipe tomahawk", ou "tomahawk"-cachimbo) e tornou-se simultaneamente um símbolo de guerra e paz.
Desenho a lápis retratando o pioneiro norte-americano Thomas Hughes, portando fuzil Kentucky, faca de caça e "tomahawk". Hughes foi emboscado e morto por índios do Oeste da Virgínia em 1778. Segundo o Departamento de Arquivos e História daquele Estado, mantenedor do original, este desenho teria sido feito pelo filho de Hughes poucos anos antes de sua morte. A ampliação do "tomahawk" não deixa dúvidas quanto a ele ter sido do tipo Martelo.
O maior ato de bravura de um índio das planícies norte-americanas não era somente a morte de seus inimigos, mas sim toca-los com algum instrumento, provocando o combate aproximado. Entre esses instrumentos, destacavam-se o "tomahawk", o chicote ou um simples bastão curto, muitos especialmente confeccionados para esse fim.
Quando os conselhos índios de guerra convocavam bandos ou tribos para deliberarem sobre conflitos iminentes , um "tomahawk" era colocado no chão à frente do chefe; terminada a reunião, caso o machado fosse erguido por ele, significava que haveria luta. Igualmente, na cerimonia de finalização dos tratados de paz era costume o chefe enterrar a cabeça do "pipe tomahawk" no solo e, após isso, desenterrá-lo, prove-lo de fumo, dar as primeiras baforadas e passa-lo aos presentes para fazerem o mesmo, isto significando que todas as desavenças passadas haviam sido enterradas e que as futuras disputas se tornariam fumaça.

..................................................................
.................................................................Foto do famoso Mathew Brady registrando indios norte-americanos prestes a
.............................................................................assinarem tratado de paz em Washington em 1878, quase todos
,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,portando "pipe tomahawks" do tipo Missouri.
Basicamente, os "tomahawks" de metal podiam ter 2 origens: vinham juntamente com os chamados "trade axes", ou machados comerciais, normalmente de origem francesa, inglesa, espanhola e até holandesa, trazidos por comerciantes desses países, ou eram produzidos sob encomenda por ferreiros e armeiros norte-americanos, tanto para exploradores, homens das montanhas, caçadores e até mesmo a pedido de autoridades dos EUA que desejavam presentear chefes índios de destaque com um produto melhor.
Entre a maioria dos brancos, apenas os tipos produzidos sob encomenda tinham alguma forma de decoração, na maioria das vezes bem sóbria, mas entre os índios era comum a decoração vistosa do cabo, com tachas de latão, contas de osso ou vidro, penas, couros, peles, tecidos, incisões na madeira com ferro quente ou até com escalpos humanos, esses tipos de enfeites variando em estilo entre os diversos grupos nativos. Igualmente, alguns exploradores, caçadores e homens das montanhas também costumavam decorar seus "tomahawks", principalmente quando eram do tipo hoje denominado "frontier hawk", por seu peso algo menor usado tanto de forma utilitária quanto recreativa, uma vez que eram comuns as competições de arremesso nos "rendez-vous" que ocorriam anualmente nas montanhas.

Antigos exemplares de "pipe tomahawks" produzidos por armeiros norte-americanos entre 1830 – 60. Note a decoração com placas de alpaca ou "pewter" (liga de chumbo), similar àquelas encontradas nos fuzis Kentucky do período.
Nos EUA, as madeiras mais usadas para os cabos dos "tomahawks" foram (e ainda continuam sendo) a chamada nogueira selvagem (ou "hickory"), seguida do freixo ("ash"), bôrdo ( "maple") e outras madeiras duras e de veios longos.
........
Entre os índios, as mais frequentes decorações em cabos de "tomahawks" eram tachas de latão e marcas feitas com limas bem aquecidas, como mostra este detalhe de um original da primeira metade do século 19.

Os "tomahawks" de metal são classificados pela forma de suas "cabeças" e a seguir são comentados os diversos tipos.
Tipo Convencional
Enquanto a forma de sua "cabeça" fosse similar a dos tradicionais machados europeus desde o início da Idade do Bronze, mesmo os primeiros "tomahawks" levados aos EUA já apresentavam a marcante característica de terem o cabo algo mais longo do que aquele dos típicos machadinhos apenas utilitários do Velho Mundo entre os séculos 17 e 19. Na maioria dos exemplares originais, esse comprimento situava-se entre 17" e 23" (ou 43,1 e 58,4 cm).
As verdadeiras razões para esse cabo mais longo são desconhecidas, entretanto em alguns círculos de colecionadores avançados dos EUA se especula que a razão para isso talvez fosse o fato de até mesmo os mercadores europeus já os conceberem não só como ferramentas mas sim também como armas, daí a inspiração para sua criação ter partido dos machados de guerra da Europa medieval, o "tomahawk" convencional sendo então uma, digamos, miniatura dos antigos tipos usados em combate.
Dentre os do tipo convencional, a 1a. versão catalogada (ainda pela Expedição Lewis & Clark de 1803) foi denominada de "Missouri" (pois era popular desde 1760 entre as tribos que habitavam as proximidades do rio de mesmo nome) e apresenta "cabeça" mais longa e larga, até algo desproporcional em relação ao comprimento do cabo, e olhal (ou "olho") totalmente circular. Os ferreiros da Expedição Lewis & Clark foram obrigados a forjar similares para as tribos Mandan e Pawnee em troca de comida.
Algumas correntes de estudiosos norte-americanos sugerem que os dessa configuração talvez tenham sido trazidos pelos primeiros colonizadores espanhóis para a tribo Osage, onde eram os preferidos.


Antigo e raro "tomahawk" com cabeça do tipo "Missouri" e típico cabo revestido de tecido vermelho, estilo de decoração próprio da tribo Osage. Na extremidade do cabo, a ornamentação se completa com um escalpo humano.



O "tomahawk" convencional de ferro ou aço fornecido aos índios norte-americanos daria origem a um primeiro sub-tipo que ficaria posteriormente conhecido nos atuais círculos de colecionadores pela designação de "frontier hawk" , mais leve e próprio também para arremesso, tendo sido o preferido pelos homens das montanhas. Para esse tipo, há também as designações menos conhecidas de "rifleman’s hawk" ou "plainsman’s hawk" e alguns raros exemplares podem ter uma pequena protuberância na parte superior da cabeça, a modo de martelo.
Elegante exemplar de "frontier hawk", com menos peso e mais equilíbrio do que os "tomahawks" habituais.
Um outro sub-tipo também usado nas fronteiras selvagens dos EUA por homens das montanhas e caçadores é hoje estudado como "tomahawk" mas, este sim, deriva-se diretamente do machado convencional, sendo dele uma miniatura e conhecido como "belt axe" (ou "bag axe"), que – como os próprios nomes em Inglês esclarecem – são pequenos machados "de cinto" ou "de bolsa", esta última sendo aquela típica que os antigos montanheses e caçadores sempre portavam e que acomodava projéteis, pedras de pederneira, "patch knives", etc, enfim todos os itens necessários ao uso de seus fuzis Kentucky, ou para sua vida nas matas.



"Belt axe" de excelente portabilidade pelo reduzido comprimento do cabo e boa eficácia por seu fio de 2 ¾" (ou 7 cm).



Normalmente, os "belt axes" tinham cabos variando entre 12" e 15" (ou 30,4 e 38,1 cm). Logo após o advento das armas de percussão, surgiu uma versão similar, ora denominada "hunter’s axe" (machado de caçador), ora chamada de "camp axe" (machado de acampamento).
"Tomahawk"- Martelo ("Hammer Tomahawk")
Embora não hajam documentos oficiais ou desenhos, para muitos estudiosos da história do Oeste norte-americano, este foi o tipo oficialmente levado pela Expedição Lewis & Clark (1803-1806) e esses mesmos pesquisadores ainda afirmam que os dessa configuração tornaram-se muito desejados pelos índios pois sua funcionalidade era similar a maioria dos originais de pedra.
Embora não tenham sobrevivido exemplares e nem tampouco desenhos dos "tomahawks" levados pela Expedição Lewis & Clark, a família de um dos carpinteiros que dela participou guarda zelosamente um do tipo Martelo, há gerações entendido como o que ele portou na célebre aventura. Esta é uma réplica exata dele. Note o timbre "US" na "cabeça", típico de itens de dotação militar oficial dos EUA.
Quando a célebre expedição iniciou sua viagem ao então inexplorado território da Louisianna teria sido equipada com "tomahawks"-martelo produzidos no arsenal de Harpers Ferry, na Virgínia. Os registros da expedição mostram que 24 unidades destinaram-se a equipar os integrantes e 36 foram produzidas para serem presenteadas aos índios. Em duas ocasiões os ferreiros dessa expedição foram obrigados a forjar "tomahawks" para algumas tribos indias em troca de comida.
Este também foi o tipo preferido de muitos dos primeiros pioneiros norte-americanos e durante sua guerra de independência da Inglaterra algumas milicias coloniais norte-americanas ainda adotaram esse tipo de "tomahawk" como oficial.
Posteriormente, dos "tomahawks"-martelo derivaria o tipo "Cachimbo".


Autenticado como tendo pertencido ao integrante de uma milícia revolucionária na Guerra da Independência dos EUA, este "tomahawk"-martelo está em invejável estado de conservação e ainda acompanhado de sua bainha original em couro!


"Tomahawk" – Espigão ("Spike Tomahawk")
Em Português, também conhecido como "Tomahawk" – Picareta. Sua provável origem está nos machados de abordagem dos antigos navios europeus.
Este foi o tipo preferido para combate, tanto por parte das milicias revolucionárias na Guerra da Independência dos EUA quanto por índios norte-americanos.
Originalmente existiram em 3 (três) versões: com espigão reto, levemente curvado e extremamente curvado.


Com um longo histórico familiar, este elegantissimo "tomahawk"-espigão também participou da Guerra
de Independência dos EUA.



"Tomahawk"- Cachimbo ("Pipe Tomahawk")
Tornou-se o tipo mais famoso, embora não o mais usado em combate e, segundo alguns estudiosos, deriva do tipo Martelo.
Atualmente, este tem sido o tipo mais reproduzido pelos cuteleiros "custom" norte-americanos e muitos exemplares são tão bons quanto aqueles confeccionados pelos melhores ferreiros e armeiros dos EUA nos séculos 18 e 19. Obviamente, como os bons originais, quando executados por cuteleiros de destaque, são itens caros.



"Tomahawks"-martelo como este (com a "cabeça" circular, alta e trabalhada) são entendidos em alguns círculos de estudiosos como os inspiradores do tipo Cachimbo.


Os primeiros conhecidos desse tipo eram inteiramente confeccionados em bronze ou latão e de uso apenas cerimonial, tendo sido regularmente fornecidos aos índios por mercadores franceses já no final dos anos 1600. Posteriormente, aos desse metal agregou-se um "insert" de aço como lâmina, tornando-os mais eficazes e duradouros.

Raras "cabeças" de "pipe tomahawks" originais em bronze, obtidas por fundição. À esquerda e ao centro, com a efígie do rei francês Louis XIV (1638-1715) numa face e "L XIV" + coroa na outra; foi escavada em 1927 no sitio arqueológico da cidade de Lima, Nova Iorque, primeiramente ocupado por indios Seneca-Iroquois entre 1640 e 1660.
À direita, sua evolução, já apresentando um "insert" de aço como lâmina.


A partir da 2a.metade do século 18, esse tipo de "tomahawk" começou a ser produzido totalmente em ferro ou aço.
Quando confeccionados por ferreiros ou armeiros dos EUA, estes geralmente partiam de velhos ou danificados canos de fuzil, os quais eram serrados longitudinalmente até um certo ponto para forjar a lâmina e o olhal (ou "olho") do machado, sendo uma parte deixada intacta, essa posteriormente vindo a constituir a porção de cachimbo do "tomahawk", alguns raros exemplares originais ainda mostrando vestígios do raiamento.

"Pipe tomahawk" confeccionado por volta de 1840 onde na parte de cachimbo ainda é possível observar vestígios do raiamento do cano de fuzil que o originou.
Um raríssimo sub-tipo de "pipe tomahawk" apresenta a parte de cachimbo afixada por rosca (foto ao lado) e tinham essa apresentação para que no uso normal o proprietário pudesse desaparafusa-la, não correndo o risco de causar dano à ela; entretanto, o que se observa na absoluta maioria dos raros exemplares assim constituídos é exatamente o contrário, quando muito encontrando-se apenas a parte de rosca aparafusada.









Ao lado, antigo e raro "pipe tomahawk" com a parte de cachimbo rosqueada e que chegou intacto aos nossos dias.



"Tomahawk" – Lança ("Spontoon Tomahawk")
É um tipo infrequente e sua designação provem da palavra francesa "esponton", que referia-se a um modelo de alabarda usada por soldados franceses e ingleses nos séculos 17 e 18 (veja "insert" na foto acima).
Posteriormente, alguns raros desse tipo foram também produzidos com a parte de cachimbo.
Foi um tipo de "tomahawk" concebido com o propósito específico de servir unicamente como arma.
Desse tipo, existiram também "cabeças" com formato similar a uma faca, ou adaga, devido a isso por vezes também chamados de "dagger tomahawks" ("tomahawks"-adaga)
Índios das tribos Comanche e Cherokee tinham especial predileção por esse incomum tipo.

Foto de 1905 mostrando chefe da tribo Comanche portando "tomahawk"-lança da rara variação com cachimbo.







Uma das primeiras e mais clássicas decorações dos "tomahawks" originais é o chamado "bleeding heart", ou coração sangrando, encontrado recortado, recortado com pontinhos ao redor e na forma de "inserts" de bronze, cobre ou latão. Alguns raros "tomahawks" antigos apresentavam também trabalhos de lima (veja exemplar central).
A partir da década de 1970, com o "boom" da cutelaria "custom" nos EUA, a produção artesanal de "tomahawks" se reiniciou, embora de forma tímida, tendo se intensificado após 1990 quando o modismo das facas no estilo "frontier look" se consolidou. Assim, além das criações especiais, floresceu também um novo segmento entre algumas indústrias norte-americanas de Cutelaria Fina, nesse particular sendo a famosa Cold Steel a que lançou o maior número de modelos de "tomahawks" inspirados nos originais.
Inspirado num original francês de 1761, o cuteleiro Henry Delacroix, de mesma nacionalidade, executou esta linda versão. Além do timbre da data no "insert" de bronze, o original ainda apresenta trabalho de lima e as gravações de um sol radiante e da clássica flor de lis em suas laterais.
Em 2003, a excelente película "O Patriota" reviveu a mística de poder do clássico "tomahawk" norte-americano. O original do filme foi confeccionado pelo artesão inglês Tony Swatton, especializado em fornecer réplicas de armas históricas para Hollywood, e atualmente o "custom" norte-americano Joseph Szilaski produz uma excelente (e cara) cópia dele.



Tomahawk" original utilizado no filme "O Patriota".



N. do A.: agradecimentos especiais aos amigos norte-americanos Gary Hendershott, de Little Rock, Arkansas; James Knowles, autor do livro "Indian Tomahawks & Frontiersmen  Belt Axes"; John Baldwin, autor do livro "Tomahawks: Pipe Axes of the American Frontier" e Tim M. Smith, da TATCA – Trade Axe & Tomahawk Collectors’ Association (veja nossa página de "Links"), pela cessão de algumas das fotos que ilustram este artigo.